Títulos privados: debêntures, CRI, CRA e o risco de crédito na prática
Quando você vê um CDB pagando CDI + 2% e uma debênture pagando CDI + 5%, a primeira pergunta que deveria vir na cabeça é: por que essa diferença? A resposta é simples: risco de crédito. Vou te explicar como funcionam esses títulos privados e como avaliar se vale a pena arriscar mais.
O que são títulos privados?
Diferente do Tesouro Direto (onde você empresta pro governo), nos títulos privados você empresta dinheiro para empresas. E empresas podem quebrar — por isso pagam juros maiores.
Os três principais tipos são:
- Debêntures: empresas captam dinheiro para projetos diversos
- CRI (Certificado de Recebíveis Imobiliários): lastreados no setor imobiliário
- CRA (Certificado de Recebíveis do Agronegócio): lastreados no agronegócio
Debêntures: emprestando para empresas
Quando você compra uma debênture, está emprestando dinheiro para uma empresa em troca de juros. É como se a empresa emitisse um "boleto gigante" que ela vai te pagar com juros no futuro.
Características das debêntures:
- Rentabilidade: geralmente CDI + X% ou IPCA + X%
- Prazo: médio a longo (2 a 10 anos)
- Liquidez: baixa (difícil vender antes do vencimento)
- Garantias: podem ter garantias reais, flutuantes ou quirografárias (sem garantia)
- FGC: NÃO têm cobertura do FGC
- IR: tabela regressiva (15% a 22,5%)
Debêntures incentivadas:
Algumas debêntures de infraestrutura (energia, saneamento, transporte) são isentas de IR. Isso faz toda a diferença na rentabilidade líquida.
Exemplo: uma debênture incentivada pagando IPCA + 6% isenta rende o mesmo líquido que IPCA + 7,06% com IR de 15%.
CRI e CRA: lastreados em recebíveis
CRI e CRA são títulos lastreados em recebíveis — ou seja, em direitos de crédito que alguém tem a receber.
CRI (Certificado de Recebíveis Imobiliários)
Lastreado em créditos do setor imobiliário. Exemplo: uma construtora vendeu apartamentos a prazo. Ela pega esses recebíveis futuros e securitiza (transforma em um título que você pode comprar).
- Isento de IR para pessoa física
- Não tem cobertura do FGC
- Risco: inadimplência dos compradores dos imóveis
- Rentabilidade típica: CDI + 2% a CDI + 5%
CRA (Certificado de Recebíveis do Agronegócio)
Mesma lógica do CRI, mas lastreado no agronegócio. Exemplo: um produtor rural vendeu soja a prazo. Esses recebíveis viram um CRA.
- Isento de IR para pessoa física
- Não tem cobertura do FGC
- Risco: inadimplência dos compradores + riscos do agro (clima, preço das commodities)
- Rentabilidade típica: CDI + 2% a CDI + 6%
O que é risco de crédito?
Risco de crédito é a chance de quem te deve não pagar. No Tesouro Direto, esse risco é praticamente zero (governo sempre pode imprimir dinheiro). Mas empresas podem quebrar.
Por isso, quanto maior o risco, maior a rentabilidade oferecida. É o mercado cobrando um prêmio de risco.
Exemplo prático:
CDB do Banco do Brasil: CDI + 1% (risco baixíssimo)
Debênture de uma empresa pequena: CDI + 5% (risco maior)
Esses 4% de diferença são o prêmio que você recebe por aceitar mais risco.
Como avaliar o risco: o papel do rating
Para ajudar você a avaliar o risco, existem agências de classificação de risco (rating). Elas analisam a saúde financeira da empresa e dão uma nota:
| Rating | Classificação | O que significa |
|---|---|---|
| AAA, AA | Baixíssimo risco | Empresas sólidas, pouquíssima chance de calote |
| A, BBB | Baixo risco | Empresas boas, risco controlado |
| BB, B | Risco moderado | Empresas com mais dívidas ou em setores voláteis |
| CCC, CC, C | Alto risco | Empresas com dificuldades, risco elevado de calote |
| D | Default | Já deu calote |
Atenção: rating não é garantia absoluta. Empresas com bom rating já quebraram (Lehman Brothers, Samarco). Mas é uma ferramenta importante.
Casos reais de calote
Pra você entender que o risco é real, vou citar exemplos de calotes que aconteceram no Brasil:
- Oi (2016): maior recuperação judicial da história brasileira. Quem tinha debêntures perdeu muito dinheiro.
- Petrobras (sustos recorrentes): embora não tenha dado calote, teve momentos de risco elevado.
- CRIs de construtoras: várias construtoras quebraram e CRIs viraram pó.
Por isso, diversificação é fundamental. Não coloque tudo em um único emissor.
Como avaliar se vale a pena o risco
Eu uso essas perguntas com meus clientes:
Checklist de avaliação:
- ✓Qual o rating? Abaixo de BBB, o risco aumenta muito. Você aceita isso?
- ✓Qual o spread sobre o CDI? Se for muito alto (CDI + 7%, por exemplo), desconfie. O mercado está vendo muito risco.
- ✓Qual o setor? Setores cíclicos (varejo, construção civil) têm mais risco que setores essenciais (energia, saneamento).
- ✓Tem garantias? Debêntures com garantias reais são mais seguras.
- ✓Quanto do meu patrimônio vou colocar? Nunca mais de 5-10% em um único emissor de risco moderado/alto.
Exemplo de comparação prática
Imagine que você tem R$ 50.000 para investir. Veja as opções:
| Investimento | Rentabilidade | Risco | Para quem? |
|---|---|---|---|
| Tesouro Selic | 100% da Selic | Baixíssimo | Conservadores, reserva |
| CDB grande banco | CDI + 1% | Baixo | Conservadores |
| LCI/LCA | 95% CDI (isento IR) | Baixo | Conservadores a moderados |
| Debênture AAA | CDI + 3% | Moderado | Moderados |
| CRI/CRA BBB | CDI + 4% (isento IR) | Moderado a alto | Moderados a arrojados |
Estratégia recomendada: diversifique. Não coloque todo o dinheiro em um só tipo. Combine segurança com oportunidade.
Quando vale a pena arriscar mais
Eu recomendo títulos privados de maior risco apenas se você se encaixa nisso:
- Já tem reserva de emergência montada
- Não vai precisar desse dinheiro no curto prazo (mínimo 3 anos)
- Está confortável com a possibilidade de perda (mesmo que baixa)
- Entende o produto e a empresa emissora
- Vai diversificar entre vários emissores
Se você marcou "sim" em todos, pode considerar alocar uma parte (10-20%) em títulos privados de maior risco/rentabilidade.
Perguntas frequentes
1. CRI e CRA são mais seguros que debêntures por serem isentos de IR?
Não. A isenção de IR não tem relação com segurança — é só um benefício fiscal. CRI/CRA podem ser tão ou mais arriscados que debêntures. Sempre olhe o rating e o emissor.
2. Posso vender antes do vencimento?
Tecnicamente sim, mas a liquidez é baixíssima. Você provavelmente terá que vender com desconto (perder dinheiro) ou simplesmente não encontrar comprador. Por isso, só invista o que não vai precisar.
3. Vale mais a pena CRI/CRA ou LCI/LCA?
LCI/LCA têm cobertura do FGC e geralmente são de bancos maiores (menor risco). CRI/CRA podem pagar mais, mas não têm FGC. Se você é conservador, prefira LCI/LCA. Se aceita mais risco, CRI/CRA podem valer a pena.
Conclusão: rentabilidade maior vem com risco maior
Títulos privados são uma excelente forma de buscar rentabilidade acima da renda fixa tradicional. Mas você precisa entender que está assumindo risco de crédito — a empresa pode não pagar.
Minha recomendação: use títulos privados como complemento, não como base. Tenha sua base segura (Tesouro, CDBs de grandes bancos) e use uma parte menor para buscar rentabilidades maiores em títulos privados de qualidade (rating bom, empresas sólidas).
E sempre, sempre diversifique. Não coloque tudo em um único emissor. Se você quer entender melhor sobre diversificação, leia meu post sobre o assunto.
Quer ajuda para avaliar títulos privados?
Se você está em dúvida sobre qual debênture, CRI ou CRA investir, ou quer entender melhor o risco de crédito do seu portfólio, me chama no WhatsApp. Vou te ajudar a avaliar.
Falar com Adriano
Adriano Freire
Financial Advisor
Assessor de Investimentos credenciado pela Ancord, atuando através da Autem Investimentos, escritório parceiro do BTG Pactual.
Meu trabalho é ajudar você a investir com clareza, estratégia e disciplina. Acredito que educação financeira vem primeiro — por isso escrevo de forma direta, sem jargão, e sempre mostrando os dois lados da moeda.

